Depressão na berlinda...
Doença ou traço de personalidade?
Psiquiatras discutem se há exagero na quantidade de diagnósticos de distúrbios mentais
SUZANE FRUTUOSO
Ilustração:
Nilson Cardoso
Na era do antidepressivo, as classificações de transtornos psiquiátricos são tantas que às vezes parece existir uma doença para cada pessoa - basta escolher em qual perfil ela se encaixa. O limite entre distúrbios mentais e estados de ânimo normais tornou-se alvo de um grande debate na psiquiatria. Para muitos especialistas há um exagero na quantidade de doenças mentais diagnosticadas. Outros acreditam que qualquer possível problema deve ser classificado e tratado. Nos Estados Unidos, a discussão sobre onde começam as doenças é acalorada devido à revisão do manual de diagnósticos do país, a mais importante publicação sobre o assunto.
Referências teóricas, como a do manual, podem sofrer alterações devido a um amplo estudo que está sendo realizado pela Universidade Harvard junto com a Organização Mundial de Saúde e a World Mental Health Survey. A idéia é mapear o problema em 28 países, incluindo o Brasil. Serão cerca de 250 mil entrevistados.
Uma parte da pesquisa já está pronta, e o resultado surpreende. O diagnóstico obtido das entrevistas feitas nos Estados Unidos aponta que quase metade dos americanos apresentará algum distúrbio mental durante a vida. É muita coisa. O debate acontece justamente porque nem todos concordam com o critério de ''doença mental''. A própria pesquisa mostra que apenas 22,3% dos casos são considerados graves; 37,3%, moderados; e 40,4%, baixos. ''É crítico saber que distúrbios mentais são tão comuns, mas não recebem atenção e dinheiro dos governos como outras doenças'', destaca o coordenador do trabalho e professor de Política da Saúde de Harvard, Ronald Kessler.
O estudo que está sendo feito no Brasil só ficará pronto em dezembro. Em 2002, a psiquiatra Laura Helena Guerra, do Hospital das Clínicas e da Faculdade de Medicina da USP, realizou uma pesquisa do gênero com 1.464 moradores de dois bairros paulistanos. Os resultados foram muito próximos aos dos dados americanos. ''Na ocasião, 45% dos entrevistados apresentaram indícios de que poderiam desenvolver distúrbios mentais.'' A psiquiatra é coordenadora da parte brasileira do levantamento mundial e está distribuindo 5 mil questionários no país. ''Vamos verificar até que ponto os sintomas prejudicam atividades cotidianas'', diz ela.
O que já foi revelado pelas pesquisas é que mulheres têm mais depressão e ansiedade, enquanto os homens sofrem em maior número de déficit de atenção, hiperatividade, transtorno intermitente explosivo e dependência de álcool e drogas. A maior parte dos problemas começa na infância e na adolescência.
40% dos americanos apresentarão algum distúrbio mental ao longo da vida. Destes, 78% terão transtornos leves ou moderados e 22% apresentarão problemas graves
Fonte: OMS
A importância do estudo não é deixada de lado por especialistas, mas muitos estão preocupados com os exageros dos diagnósticos. ''Embora os transtornos mentais estejam em todo lugar, casos mais sérios se concentram em uma população pequena. Na pesquisa divulgada, a maioria apresenta incidência baixa'', ressalta o chefe do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP, Hélio Elkis. ''As coisas devem ser colocadas em seu devido lugar. Não é nada diferente do que a medicina em geral mostra. O diabetes também tem casos graves, intermediários e leves.'' Cuidado é o termo que o psiquiatra José Alberto Del Porto, professor da Escola Paulista de Medicina (Unifesp), usa para definir a conclusão americana. ''Quando prevalências altas são apresentadas, devemos encarar com espírito crítico. O limite para identificar doenças mentais não é tão evidente.''
Para a psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva, autora dos livros Mentes Inquietas e Mentes & Manias, o mais relevante é destacar que todos os seres humanos têm, em determinado grau, aspectos de distúrbios mentais. Eles só podem ser considerados doença, porém, quando limitam aspectos da vida profissional e pessoal do indivíduo. ''Antigamente, havia menos stress, e isso fazia com que fatores negativos de origem genética não aflorassem com tanta freqüência. Mas hoje estamos expostos a muitos 'gatilhos' que acionam esses fatores. Somos mais vulneráveis'', explica. ''Quem sofre um seqüestro relâmpago pode desenvolver, por exemplo, o transtorno do stress pós-traumático.''
O professor Del Porto concorda e lembra que nem toda característica de transtorno deve ser considerada doentia. Ele dá dois exemplos de um estudo publicado no Journal of Affective Disorders. ''A hipertimia (estado eufórico anormal) e a ciclotimia (estado de euforia com episódios de depressão) podem trazer vantagens devido à densa carga emocional. Muitos casos estão associados a criatividade, comunicação e liderança. Se discretos, não são doenças nem precisam de tratamento.''
*Fonte: Revista Época
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